A história de plágio por trás da canção The Lion Sleeps Tonight.
Você provavelmente viu “O Rei Leão”, desenho clássico da Disney produzido em 1994 e que depois virou musical da Broadway, rodou o mundo inteiro e foi de novo levado ao cinema em 2019, dessa vez em computação gráfica. Arriscamos dizer ainda que, se você foi uma criança nos anos 2000, é possível que tenha visto o desenho múltiplas vezes e conheça muito bem sua trilha sonora. O que você provavelmente não sabe é que uma das principais músicas da obra é o epicentro de uma importante disputa de direitos autorais. E um documentário da Netflix, pouco conhecido, conta tudo passo a passo. Se você gosta de direitos autorais, música e Disney, vale a pena assistir “O Rei Leão e o Músico Esquecido”.
Enquanto nos encantávamos com a divertida trilha sonora de um dos maiores filmes da Disney na virada do milênio, não sabíamos que uma de suas canções mais emblemáticas seria objeto de uma acusação de plágio pouco tempo depois. A música The Lion Sleeps Tonight, conhecida pelo seu famoso falsete “Weeheeheehee dee heeheeheehee weeoh aweem away”, deu origem a um longo processo que buscou comprovar a autoria da canção pelo compositor sul-africano Solomon Linda.
Tudo começou nos anos 30, quando o cantor e compositor sul-africano Solomon Linda liderava um coral de músicas originárias e populares da África do Sul chamado The Evening Birds.
(Solomon Linda é primeiro à esquerda)
Durante este período, Linda criou a canção Mbube que se tornou muito conhecida no país e, em razão da fama, veio a identificar o próprio estilo musical.
Linda, então, gravou a música com a empresa Gallo - uma renomada gravadora daquela época - o que possibilitou que Mbube ultrapassasse as fronteiras de seu país. A versão original está aqui embaixo. Se quiser ouvir a parte famosa pelo improviso do cantor, pode ir para os 30 segundos finais da música:
Na década de 50, a canção sul-africana desembarcou em território estadunidense e, assim como em seu país de origem, logo se tornou um grande sucesso. Ao chegar aos ouvidos de Pete Seeger, conhecido compositor do estilo musical folk, Mbube foi transformada na canção Wimoweh e reproduzida pela banda Weavers. Se você quiser ouvir a canção para entender melhor o caso e tirar suas próprias conclusões, aqui está:
Ocorre que, para a felicidade dos amantes de filmes de animação e musicais, o sucesso da canção não parou nesta época e foi essencial na criação da famosa The Lion Sleeps Tonight do premiado desenho animado O Rei Leão.
Enquanto Wimoweh figurava no topo das paradas musicais nos EUA, Solomon Linda assinou uma cessão integral dos seus direitos autorais por Mbube para a gravadora Gallo a um valor correspondente a poucos dólares nos dias atuais. Uma cessão de direitos autorais significa a transferência definitiva dos direitos a terceiros. Ou seja, a partir daquele momento, Linda não teria mais direitos patrimoniais sobre a obra, de modo que sua exploração econômica e eventuais proventos dela decorrentes pertenceriam à Gallo.
Anos depois, Linda morreu e sua esposa e filhas ficaram em situação econômica bastante precária.
Após o sucesso de Wimoweh, e com base nos seus exatos arranjos, a produção do filme O Rei Leão da Disney criou a canção The Lion Sleeps Tonight, que você pode ouvir aqui:
Apesar de ser uma derivação da derivação da música de Solomon Linda, não havia indicação de autoria do compositor sul-africano e, muito menos, a remuneração devida à sua família. Em razão disso, anos após o lançamento do filme infantil em 1994, o jornalista e escritor Rian Malan decidiu investigar por qual motivo a Disney não havia pago os valores a que faria jus a família do criador de Mbube.
Malan se reuniu diversas vezes com as três filhas sobreviventes de Linda. No decorrer da investigação, o caso ganhou espaço e relevância midiática, fato que proporcionou um significativo suporte da opinião pública à causa de Malan. O Ministério da Cultura da África do Sul, ao tomar conhecimento do ocorrido, investiu financeiramente para que fossem contratados os melhores advogados para atuar em defesa das herdeiras. E é um parecer interpretando uma lei antiga que faz a reviravolta no caso. Muito interessante ver o poder de quem interpreta a lei com atenção, ousadia e criatividade.
Contar mais do que isso é spoiler e nós sugerimos que vocês vejam o filme. Na verdade, o documentário toca em muitas outras questões profundas, como racismo, apropriação indevida, culpa, tentativa de reparação histórica. Há um verdadeiro acervo de questões jurídicas e sociais, laços humanos feitos e rompidos. Como é dito em certo momento do filme, trata-se de um caso impregnado de significados simbólicos.
Falando nisso, quando olhamos os créditos da trilha sonora da versão de 2019 de O Rei Leão, lá está o nome de Salomon Linda. Não é muito, certamente não é suficiente, mas pelo menos resgata, simbolicamente, os direitos autorais morais devidos a seu autor.
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