Até tu, Machado?

Acusações de plágio estão em todo lugar, vide a recente notícia envolvendo uma das atrações do Rock in Rio ( Atração do Rock in Rio, Deep Purple tem como principal hit música que fãs brasileiros apontam plágio da Bossa Nova; compare). A banda Deep Purple, convidada para tocar no palco Sunset do festival carioca, foi acusada de plagiar a canção Maria Moita de autoria de Carlos Lyra.
Smoke on the water, uma das músicas mais conhecidas da banda britânica, foi lançada 8 anos depois da canção brasileira e os arranjos de ambas são consideravelmente semelhantes.
A polêmica se configura pela progressão de acordes do guitarrista Ritchie Blackmore, que se aproxima muito das notas musicais da bossa nova de Lyra. A controvérsia, então, se centraliza nos 12 segundos iniciais da composição brasileira, em oposição aos primeiros 50 segundos da canção britânica. Caso queira compará-las e tirar as suas próprias conclusões, aqui estão:
Apesar da similaridade das canções e da ausência de menção ao compositor brasileiro na música britânica, o caso aparentemente não foi solucionado. Não há evidências de que Lyra tenha buscado judicialmente a comprovação do plágio após o ocorrido.
Para falar a verdade, sobre supostos plágios em música, poderíamos escrever uma coleção inteira de colunas. Mas enquanto as especulações sobre este evento da década de 70 voltavam à cena agora com a edição de 40 anos do festival de rock, uma nova história, sobre um caso antigo, também ganhou espaço na imprensa recentemente.
Em agosto, a Veja publicou uma matéria comentando suposto plágio cometido por Machado de Assis Em síntese, o texto faz referência à pesquisa da professora Élide Valarini Oliver, que dá aula de Literatura Brasileira e Comparada na Universidade da Califórnia. As dúvidas pairam sobre a crônica “Carniceria a Vapor”, publicado no periódico n. 1158 de “A Marmota” por um jovem Machado de Assis, no longínquo ano de 1860.
Em sua obra, Machado de Assis, então com 21 anos, discorre sobre o emprego de tecnologia a vapor para dar maior eficiência ao abate de porcos em um matadouro na cidade de Brooklyn, Ohio, Estados Unidos. Logo no segundo parágrafo, Machado informa que “M. Commetant, na obra que publicou em 1857 sobre os Estados Unidos, descreve esse singular estabelecimento em toda a sua extensão (...)”. Ou seja, desde o início, o autor brasileiro menciona que a fonte de seu relato é estrangeira.
No entanto, Machado teria omitido um fato essencial. O relato do tal M. Commetant teria sido extraído do quarto volume do periódico L’Année Scientifique et Industrielle , publicação francesa que comentava o livro “Trois ans aux États-Unis. Études des moeurs et coutumes américaines”, “lançado em 1858 pelo compositor, musicólogo e escritor de literatura de viagem Oscar Comettant”, conforme consta do site da Veja. Contudo, não há qualquer referência ao livro ou ao periódico na crônica de Machado de Assis, embora trechos inteiros de L’Année Scientifique et Industrielle tenham sido aproveitados pelo autor brasileiro, sem indicação de fonte. Já podemos incluir Machado na lista de plagiadores?
Provavelmente, não.
Em primeiro lugar, é necessário entender do que falamos quando falamos de plágio. Curiosamente, o tema é muito abordado na academia e na imprensa, mas a lei brasileira de direitos autorais (Lei 9.610/98, “LDA”) sequer menciona a palavra. A LDA fala em violação de direitos autorais. Todo plágio é uma violação a direitos autorais, mas nem toda violação a direitos autorais é plágio. O plágio é uma construção dos estudiosos dos direitos autorais e dos tribunais, mas não uma figura prevista na lei.
Eduardo Lycurgo Leite, em texto clássico sobre o assunto, define plágio como “a cópia, dissimulada ou disfarçada, do todo ou da parte da forma pela qual um determinado criador exprimiu suas ideias, ou seja, da obra alheia, com a finalidade de atribuir-se a autoria da criação intelectual e, a partir daí, usufruir o plagiador das vantagens advindas da autoria de uma obra”.
Bem, por essa definição, não parece haver muita defesa para o então jovem Machado.
No entanto, outros elementos precisam ser levados em conta. O texto, publicado em 1860, é 26 anos mais velho do que a Convenção de Berna, primeiro esforço internacional para regular direitos autorais em âmbito internacional. Nessa época, os direitos autorais estavam em sua infância. No Brasil, seu primeiro vestígio (como menciona José Carlos Costa Netto) foi em 1827, quando da criação das primeiras Faculdades de Direito do Brasil, em São Paulo e em Olinda. Depois disso, houve uma previsão no Código Penal de 1830 e outra em 1890. A matéria só viria a ser tratada de fato com alguma profundidade na Lei Medeiros e Albuquerque, em 1898.
Não havia, portanto, na época, uma construção jurídica dos direitos autorais como existe hoje.
Ainda assim, esse nem parece ser o argumento mais forte em defesa de Machado de Assis.
Como apontou Cláudio Soares, estudioso de vida e obra de Machado de Assis, no perfil da Editora Obliq do Instagram (@obliqlivros), o índice de “A Marmota” em maio de 1860 aponta claramente que o texto “Carniceria a Vapor” é uma tradução

Tudo bem que a metodologia da citação talvez não seja a mais adequada aos olhos da contemporaneidade, mas Machado de Assis menciona o nome do autor em quem se inspira e indica que se trata de uma tradução, apesar das suas liberdades.
Do ponto de vista dos direitos autorais, me parece mais do que suficiente se levarmos em conta que sua publicação se deu um quarto de século antes que começarmos a forjar as regras legislativas internacionais que estão de pé ainda hoje.
Se algo deveria chamar a atenção no texto é o talento de um autor tão jovem – isso sim, ainda hoje muito admirável e cada vez mais escasso.
PARA SABER MAIS
Recomendamos a leitura do livro “Plágio Acadêmico”, de Marcos Wachowicz e José Augusto Fontoura Costa, que pode ser encontrado aqui e da tese “PLÁGIO NO DIREITO AUTORAL BRASILEIRO: Apropriação e violação entre a transformação criativa e a supressão de autoria”, de Rebeca Garcia, que pode ser lida aqui