Que a força esteja com você, pequeno Skywalker britânico

Um curioso caso surgiu nas notícias do Reino Unido nas últimas semanas. Uma família inglesa, após marcar uma viagem de férias à República Dominicana, solicitou um passaporte para um de seus filhos no Home Office do país - um órgão com uma função equivalente à Polícia Federal brasileira. Contudo, ao contrário das expectativas, eles tiveram o seu pedido negado por um motivo um tanto quanto surpreendente: o nome do seu filho seria, segundo alegado, protegido por direitos autorais.
O pai do menino, Christian Mowbray, como um vigoroso fã de Star Wars, aproveitou que o seu filho havia nascido no dia 04 de maio, data associada à saga, e resolveu nomeá-lo Loki Skywalker. Ocorre que, ao realizar o registro, ele não tinha ideia das possíveis consequências que aquela decisão teria no futuro de sua família.
No enredo da clássica ficção científica, o personagem Luke Skywalker luta bravamente para tentar destruir a poderosa Estrela da Morte de Darth Vader e, assim, salvar a galáxia do lado sombrio da força. Honrando a trajetória de um Jedi, o Loki Skywalker britânico também precisou enfrentar uma dura batalha contra forças ainda mais obscuras: a burocracia estatal.

Luke Skywalker - imagem retirada do filme Star Wars - Episódio IV: Uma Nova Esperança
Isso porque as regras para concessão de passaporte no Reino Unido estabelecem que, para ter o seu documento emitido, o cidadão não pode ter um nome ofensivo, que contenha símbolos ou que seja protegido como marca ou por direitos autorais.
Em razão desta normativa, a família de Loki teve o seu pedido negado, apesar de o nome já constar da certidão de nascimento do garoto. O órgão público entendeu que seria necessária a anuência da detentora dos direitos autorais de Star Wars para que o menino pudesse ter o seu passaporte expedido. Ou seja, seria preciso que a Disney - que adquiriu a empresa LucasFilm em 2012 e, por consequência, tornou-se titular dos direitos de Star Wars - autorizasse a liberação do nome Skywalker para que o menino pudesse viajar com os seus pais.
Este caso nos faz pensar sobre como a proteção autoral do país britânico poderia interferir em um aspecto tão intrínseco à pessoa humana, a utilização desimpedida de seu nome. Mas será que essa situação também poderia ocorrer no Brasil?
Antes de tudo, é preciso lembrar que o sistema de direitos autorais vigente na Inglaterra é o Copyright. Esta forma de tutela jurídica, ao contrário do Droit d'auteur, que inspirou a legislação do Brasil, preocupa-se sobretudo com a proteção patrimonial da obra. Isso significa que o foco da legislação britânica é a preservação econômica da criação autoral.
Já no Brasil, o direito autoral abrange os direitos moral e patrimonial. Objetiva-se, dessa forma, a proteção econômica da obra ao mesmo passo em que se resguarda a relação imaterial existente entre o criador e a sua criação. Nesse contexto, em que pese o caráter moral do direito autoral poder aproximá-lo dos direitos da personalidade, seu aspecto patrimonial o afasta. Não se confunde, portanto, direito autoral com direitos da personalidade - uma vez que o primeiro está associado, em grande medida, à exploração financeira da obra, enquanto o segundo, conforme ensina Anderson Schreiber (2022), busca proteger a condição humana em suas genuínas manifestações, não sendo suscetíveis a avaliação econômica.
Logo, impossibilitar a emissão de um documento ou o registro de um nome em razão da ausência de autorização do titular dos direitos autorais, seria, justamente, embaralhar duas esferas jurídicas bastante distintas.
Isso significa, então, que podemos utilizar o nome de qualquer personagem livremente?
Definitivamente, não. Embora o artigo 7º da Lei de Direitos Autorais não especifique a proteção autoral ao personagem, o seu rol é meramente exemplificativo e este tem sido o entendimento adotado pela jurisprudência. Um exemplo de proteção de personagem foi o julgamento do REsp n. 1.615.980/RJ do Superior Tribunal de Justiça, em que se reconheceu a tutela autoral sobre o personagem “Valéria”, criado por Rodrigo José Sant'anna, veiculado no programa televisivo Zorra Total da Globo e qualificado pelo STJ como verdadeira obra.
Além disso, a Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9279/94) em seu artigo 124, XVII estabelece que: “Não são registráveis como marca: (...) obra literária, artística ou científica, assim como os títulos que estejam protegidos pelo direito autoral e sejam suscetíveis de causar confusão ou associação, salvo com consentimento do autor ou titular”. Dessa forma, não é permitido o uso indiscriminado de personagens para compor uma marca sem a anuência do titular dos direitos autorais.
Agora, voltando ao caso do menino Skywalker, o que a nossa legislação nos informa sobre o uso de personagens em nomes próprios?
Não há nenhuma limitação específica quanto à reprodução do nome de personagens em registros civis. No entanto, o § 1º do artigo 55 da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015 de 1973) diz que: “O oficial de registro civil não registrará prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores, observado que, quando os genitores não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso à decisão do juiz competente, independentemente da cobrança de quaisquer emolumentos”.
Pelo artigo acima, é possível concluir que os critérios para a concessão de registros de nomes próprios no Brasil são consideravelmente subjetivos. Isso porque o que o oficial de registro civil entende como ridículo pode não ser visto da mesma forma pela perspectiva de outras pessoas. A “exposição ao ridículo” poderá depender de diversos fatores, como o ambiente social, a faixa etária, o local de nascimento e o contexto histórico.
Portanto, no Brasil, embora exista o direito autoral sobre o personagem com base no art. 7º da LDA, bem como uma limitação marcária no art. 124, VII da LPI, esta proteção não se estende à esfera dos direitos da personalidade. Assim, de acordo com a nossa legislação de registros públicos, é permitido nomear uma criança em homenagem a uma obra artística, desde que o oficial do registro civil não considere o nome passível de exposição ao ridículo.
Por fim, em razão dessa liberalidade, muito provavelmente você já deve ter conhecido alguém com o nome de um personagem de novela, livro ou filme. Caso esteja pensando em fazer o mesmo com o seu filho, somente aconselhamos chegar ao fim da obra antes de se decidir pelo nome. E aqui vai um pequeno spoiler de Game of Thrones (existe spoiler 5 anos depois?): não queremos que ninguém se arrependa como essas mães, que se decepcionaram após uma heroína se tornar vilã no último episódio da série.