Audiovisuais e museus – PARTE 2

Uma obra audiovisual pode ser entendida como registros que combinam sons e imagens. Sendo assim, relaciona-se a qualquer material, comunicação, mensagem, recurso e método, dentre outros, que busca estimular, simultaneamente, a audição e a visão.

Com os avanços das tecnologias da informação - tais como o surgimento das mídias móveis, dos big data, das redes comunitárias - a arte contemporânea incluiu a obra audiovisual entre suas modalidades de expressão: cinema, vídeo-arte, grafite virtual, performance, hologramas, obras interativas, mídia, NFT e games. Assim, para “sobreviver” e continuar relevantes no século XXI, os museus estão se adaptando e digitalizando seus acervos para divulgação por meio audiovisual através da internet.

Novas tecnologias, e hábitos a elas associados, ensejam reflexões acerca de mecanismos de proteção intelectual. As novas classes de obras formadas por hologramas ou registros audiovisuais, tais como o Stairway to heaven de Cai Guo Giang e o The Clock de Christian Marcla, aquecem a demanda por legislações que se adequem a essa nova fase (de Almeida, 2021). Concomitantemente, obras de arte estão sendo criadas por algoritmos (uso de Inteligência Artificial (IA)) que analisam bancos de dados das pinturas originais de artistas consagrados. Em 2016, por exemplo, o Grupo ING (instituição financeira) e a Microsoft desenvolveram um software utilizando Inteligência Artificial que, por meio da análise dos quadros pintados por Rembrandt, conseguiu criar uma nova pintura com as mesmas características das obras do artista (IAEXPERT, 2016). Destas novas criações surgem questionamentos sobre a possibilidade de proteção da “nova obra” e sobre quem seria o detentor dos direitos.

Cabe à legislação autoral proteger obras artísticas, e a Lei de Direitos Autorais brasileira (Lei 9610/1998 - LDA) inclui em seu rol protetivo obras conhecidas ou que se inventem no futuro (Art. 7, LDA), assim como abrange as tecnologias de audiovisuais desenvolvidas após a data de sua publicação.

O desempenho de um museu envolve a realização de reproduções e a comunicação ao público das obras de sua coleção. Os museus anunciam exposições permanentes e temporárias de diferentes maneiras, incluindo especificamente catálogos de coleções e exposições, apostilas, brochuras, rótulos didáticos, revistas, jornais e similares (Canat & Guibault, 2015) e (de Almeida, 2021). Se por um lado a digitalização de acervos e exibições por parte dos museus promovem o acesso à cultura (Art. 215, CF), por outro lado, os negócios jurídicos sobre os direitos autorais são interpretados restritivamente (Art. 4, LDA) e os contratos que envolvam direitos patrimoniais do autor devem expressamente permitir os diferentes usos da obra (Art. 29, LDA). A esse respeito, surge a dúvida quanto à possibilidade de a instituição museológica comunicar ao público o seu acervo por meio da internet.

Apesar de nem todos os itens reunidos na coleção de um museu gozarem de proteção de direitos autorais e poderem ser usados ​​sem restrições, como por exemplo, itens em que o prazo de proteção de direitos autorais sobre o objeto já expirou; determinadas obras do acervo são protegidas por direitos autorais, e os museus, em princípio, precisam da permissão dos detentores dos direitos. A interseção entre a lei de direitos autorais e as atividades de um museu tem, portanto, o potencial de representar um desafio para o funcionamento destes (Canat & Guibault, 2015 e de Almeida, 2021).

No Brasil há alguns exemplos de museus majoritariamente audiovisuais, tais como o Museu do Amanhã (Rio de Janeiro), o Museu da Língua Portuguesa (São Paulo), e o Paço do Frevo (Recife). Em determinadas experiências a curadoria de conteúdo audiovisual do museu se vale, dentre outros materiais, da sincronização de obras preexistentes para a criação das obras novas.

Em princípio, a LDA prevê que a comunicação ao público da obra artística, entre elas a audiovisual, deve ocorrer com a expressa autorização do autor ou titular (Art. 68, LDA). Com relação às obras de artes plásticas especificamente, a LDA informa que, ao alienar uma obra de arte plástica, o autor aliena o objeto e transmite o direito de exposição (Art. 77, LDA), o que é conhecido na doutrina do copyright como display right.

Os museus tentam, na medida do possível, obter por meio de acordo contratual a cessão de direitos autorais, ou pelo menos uma licença de direitos, juntamente com a propriedade física das obras em seu acervo. Mas os museus nem sempre estão em posição de garantir esses direitos. Além disso, há situações não tão claras no que diz respeito aos objetos adquiridos antes do advento do ambiente de rede digital, e algumas importantes questões surgem: a quem pertencem os ‘direitos digitais’ sobre esses objetos, entre o autor inicial ou o museu? E se o autor não puder mais ser identificado ou localizado? (Canat & Guibault, 2015).

A digitalização de arquivos para os catálogos on-line dos museus é uma tendência mundial. A necessidade de os museus poderem expor e promover obras individuais em suas coleções é reconhecida entre as exceções e limitações fornecidas pelas leis de direitos autorais de vários dos países, dentre os quais a Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Holanda, Noruega, Portugal, Suíça, Turquia e Reino Unido, que contêm referências à possibilidade de trabalhar as obras em catálogos (Canat & Guibault, 2015).

A LDA brasileira, infelizmente, tem pouca ou nenhuma referência à exposição da obra de arte em catálogos e/ou virtualmente. Na LDA observam-se lacunas que dificultam a sua interpretação no que diz respeito ao tratamento dos direitos autorais de obras audiovisuais por instituições museológicas. A legislação não define critérios objetivos de caracterização dos conceitos, de forma que a análise de enquadramento legal deve ser sempre baseada na contextualização da obra e da utilização pretendida, bem como nas finalidades de uso, unindo os interesses privado e público. Com isso, resta claro que o uso deve ser puramente acessório e se limitar à sua finalidade, que, neste caso, é de interesse público. Assim, seria forçoso, na interpretação da LDA, incluir as obras audiovisuais entre aquelas passíveis do display right(de Almeida, 2021).

Por fim, seria desejável ter-se uma interpretação extensiva excepcional na legislação para permitir que os museus cumpram os seus mandatos. Os legisladores nacionais precisam reconhecer a possibilidade de os museus realizarem, sob certas condições, atos específicos de reprodução e de comunicação ao público. As exceções e limitações específicas abrangem a realização de reproduções para fins de preservação, utilizando obras em catálogos de exposições, a exibição de obras, a sua disponibilização para fins de estudo e investigação e a utilização de obras “órfãs” (Canat & Guibault, 2015)

Referências
Canat, J.-F. & Guibault, L., 2015. [Online]
Available at: https://www.wipo.int/meetings/en/details.jsp?meeting_id=53646

de Almeida, G. M., 2021. [Online]
Available at: https://www.ceduc.abpi.org.br/curso-wipo-summer-school-propriedade-intelectual-para-o-audiovisual/

Raffaini, P. T., 1993. Museu contemporâneo e os gabinetes de curiosidades. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, Volume 3, pp. 159-164.
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